Barbearia São Francisco

12:00:00

Não há outro lugar no mundo onde o homem possa exalar sua masculinidade do que em uma barbearia. Mas falo daquela antiga, não dessas gourmetizadas. E na barbearia do Carlos, a quem todos chamavam de Carlinhos, não era diferente. Durante a semana o movimento era fraco, mas no sábado o fluxo de clientes aumentava consideravelmente. Carlinhos tinha um público fiel, todos os sábados um grupo seleto ia para a barbearia São Francisco jogar conversa fora, muitos não iam nem cortar o cabelo e muito menos fazer a barba. Iam lá para ver a última Playboy, falar das filhas de seus conhecidos, contar piadas que só os homens acham graça, até Juninho, o filho afeminado de Jeremias, soltava piadinhas machistas que todos gostavam, "era um garoto de ouro" diziam. Carlos gostava da movimentação, ficava sempre conversando com todos e participava de todas as conversas. Havia também o Sérgio, um ruivo com uma barba espessa a quem todos chamavam carinhosamente de "Viking" era ele quem fazia as piadas mais pesadas e os comentários mais carregados de testosterona na barbearia. Tinha o Seu Moreira, um senhor de seus 65 anos que fazia questão de todo sábado marcar presença na barbearia pra jogar conversa fora e sorrir com os comentários de seus amigos. Thiago, apesar da completa calvície que lhe rendeu o apelido de "rollon", ia todo sábado aparar a barba e acompanhar o papeado.
Foram os anos de ouro da Barbearia São Francisco.
O marco da mudança na vida de todos foi quando, em pleno sábado, enquanto todos teciam comentários maldosos sobre a filha de Rogerinho que havia passado na porta, uma moça entrou no recinto e o silêncio dominou o local, Carlinhos, naquele dia, apresentou sua namorada, Simone. A maioria não prestou muita atenção, mas o Viking percebeu que daquele dia em diante a Barbearia São Francisco não seria mais a mesma.
Outro sábado se passou e Carlinhos não tinha comprado a Playboy daquele mês, justo a edição da Tiazinha a qual todos esperavam desde o anúncio. Todos ficaram abatidos naquele dia, mas logo Juninho fez uma piada que todos riram, menos o Viking.
E foi assim, todos os sábados que se seguiram eram apresentadas para o clã as mudanças que alguns notavam e outros não ligavam muito, mas nada passava despercebido pelo Sérgio, que logo coçava sua barba ruiva. O local estava mais limpo, a bancada da barbearia continha agora alguns produtos além do talco, pentes, tesouras e creme de barbear. 
Até chegar no fatídico sábado, o último do mês e o sexto após o marco inicial, onde todos notaram - o Viking com lágrimas nos olhos - o nome "Unissex" pintado na placa, abaixo do nome da barbearia, aquilo deixou todos cabisbaixos, mas não perderam a fé, afinal, quem iria cortar o cabelo num lugar daqueles? Ledo engano. Carlinhos havia comprado uma nova cadeira, colocou mais um espelho, comprou alguns exemplares da revista Cláudia e Simone estava lá pronta para iniciar o trabalho, ela esteve ausente durante todo esse tempo por conta de um curso de cabeleireiro que estava fazendo em São Paulo. Isso criou um clima desconfortável, Seu Moreira passou mal, dores no coração que nunca havia sentido na vida. Thiago, em um acesso de raiva e descontentamento sentou na cadeira e pediu para o Carlinhos tirasse a barba. Viking tentava conter o choro, em vão.
Dois sábados após o ocorrido a Barbearia São Francisco estava fechada, todos que passavam ali acharam isso muito estranho, nunca o Carlinhos havia fechado a barbearia, nem no feriado, nem na morte da mãe. No sábado seguinte foi quando houve o maior choque, o local possuía uma nova pintura, a placa da barbearia estava no chão, o Viking, aos prantos, tratou logo de apanhá-la e levar para sua casa, ao retornar viu a pior cena de toda a sua vida, Carlinhos estava coordenando a instalação de uma nova placa onde havia mudado o nome da sua barbearia, passando a se chamar: CARLOS COIFFEUR.
Viking foi na casa de seus ex-companheiros de barbearia, chamou todos para presenciarem aquela cena que poria um ponto final nas suas atividades de sábado. Todos estavam tristes, Seu Moreira, agora com um marcapasso, estava desolado. Jeremias tentava consolar Viking, que se derretia em lágrimas, porém nesse momento algo chamou atenção de todos ali presentes, algo que decretou o fim da Barbearia São Francisco, Juninho era o novo funcionário do salão.

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3 comentários

  1. Não acredito que essa história do salão de cabeleireiro e barbearia acabou assim. Jurava que o dono do salão tinha morrido ou até mudado o nome do salão pra fazer algo nele. Mas quem ficou no lugar e comprou foi ele o afeminado? Fiquei de boca aberta agora kkk.

    Adoro histórias assim.
    Vou te seguir.
    Abraço

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  2. você escreve muito bem, essa é uma ótima história

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  3. Olá, Rodolfo Soares, boa tarde.
    Obrigado por ter comentado no meu blogue. Sua escrita, clareia, aquele espaço.


    " Oia, eu num sô du Maranhão naum, rapá. Do Maranhão, é queim nasci in Sonluis, o abestadu aki, nasceu no Sembau, lá nas quebradas, na bêra de um baxo chamadu di Mearim, nas barrancas di uma Cidadi, qui êlis chamam di terra di melancia, i aténdi pelo nomi di Arari. Lá pra culá. Tá dôdchu. Si o pessoá da capitá, sunhá, qui eu consideru Maranhensi, queim nasci nu Sembau, tô lascadu. In Sonluis, elis dize que son " dagema", i nem queri sê Sonluizense, si dize ludivisensi. Rum, seim iscotridão, seim qualhiragi ". Um abraço.

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