Parque de Diversões

19:26:00

A cidade onde eu vivi até completar os doze anos de idade era um fim de mundo esquecido por Deus e só foi lembrado por meus pais pois lá moravam meus avós que eram os únicos que poderiam matar a fome de sua filha, do marido desempregado e dos quatro filhos e mais um à espera. Fui o único filho a nascer lá, todos os outros eram frutos da insistência na vida de fome na capital onde meus pais se viravam para se manter.

Minha mãe, Maria Francisca, casou-se com meu pai, Antônio, ainda aos dezessete anos em meio à euforia e à esperança de construir uma vida feliz ao lado daquele que por tanto tempo namorou no colégio, saiu da casa dos tios, onde morava para estudar e foi morar em uma casa cedida pelos meus avós paternos, que desaprovavam o casamento do seu filho com aquela mulher sem bens e sem nome. Todos os planos, todos os sonhos e todas as esperanças se desfizeram nos primeiros meses. As dificuldades em conseguir trabalho e com a chegada dos filhos fizeram com que a situação fosse piorando. Foi então que tomaram a decisão de se mudar para a cidade da minha mãe onde seriam ajudados pelos meus avós maternos.

Cresci em um ambiente de amor, nunca me faltou nada, ajudava meu pai na roça, que no começo não levava jeito algum para a lavoura, contava meu avô, mas que com o tempo foi pegando a prática de cuidar da terra e conseguiu comprar sua fazenda e não precisaria mais trabalhar para sustentar os outros, poderia se preocupar em fazer aquilo o que mais desejava: garantir a educação para seus filhos.

- A única coisa que a terra não leva é a educação – dizia meu pai.

Juntou os ganhos de meses de colheita para poder dar ao seu filho mais novo, aquele que ainda teria alguma chance, a oportunidade de iniciar e, com sorte, concluir os estudos. Me embarcou em um ônibus na beira da estrada, minha mãe com lágrimas nos olhos tentava sorrir.

Na cidade pude ver que o sangue pouco significa para os olhos cegos pelo ódio e rancor. Nos primeiros dias já pude sentir na pele toda a raiva de minha avó que em meio a surras sem razão me encarava com os olhos, muito pelo meu olhar penetrante e desafiador igual da minha mãe o que para a minha avó era uma afronta e uma lembrança amarga das respostas atravessadas que minha mãe disse no passado.

Desde quando desembarquei no terminal rodoviário, senti o gosto amargo da ausência dos meus pais, mas em um dia tudo se iluminou como céu com fogos em noite de São João. A capital nunca havia se mostrado tão espetacular como essa noite. Ao sair da casa da minha avó, caminhei pela rua estreita frente à casa onde vivia que me levava ao terreno da igreja, levava comigo uma caixa com doces para vender no arraial que o pessoal da igreja estava organizando, o período de aulas já estava se encerrando e eu ainda não havia sido matriculado, minha avó alegou que não havia vaga em nenhum colégio da cidade, enquanto isso eu vendia os doces que ela preparava.

Ao dobrar a esquina que dava para a igreja me deparei com um espetáculo de luzes e sons dissonantes que, junto aos gritos de crianças, formava a cena que levarei comigo para o resto da minha vida. Nunca havia visto um parque de diversões, todos aqueles brinquedos girando em sincronia, um festival de cores distribuídos em balões, algodões doces e sorvetes. As pessoas me paravam perguntando pelos doces que estavam à venda, eu respondia em poucas palavras, de forma automática, estava maravilhado com aquilo que era novo para mim.

Quando os sinos da igreja avisaram a chegada das nove horas da noite percebi que já era a hora de ir para casa, a caixa de doce estava quase vazia, lutei por muito tempo para não gastar o dinheiro andando em algum brinquedo, voltei para casa, naquela noite levei horas para conseguir dormir lembrando das felicidades daquelas crianças que brincavam ali, não pareciam ter problemas, sorriam de forma fácil, dócil, eu queria aquilo, queria que minha mãe visse aquilo, as vezes nossos sorrisos servem apenas para que as pessoas que estão ao nosso lado se sintam bem.

No outro dia, na mesa do jantar, o assunto era o parque de diversões, os meus primos, que haviam acabado de chegar de suas aulas, conversavam sobre os brinquedos e aquilo foi me doendo no peito, sentia ciúmes por tomarem conhecimento da chegada do parque, queria aquilo só para mim. Meus primos herdaram o ódio da minha avó e sempre me trataram como um estranho no ninho, e eu realmente era assim, não acreditava que fazia parte daquela família.

Após o jantar, lavei as louças, peguei a caixa de doces. Ao sair vi meu avô distribuindo o dinheiro entre os três netos para brincarem no parque. Na esperança, fiquei por perto e o vi olhar para mim e guardar a carteira no bolso.

Engoli o choro.

Ao descer a rua, um vizinho me chama.

- Ei, moleque, vem aqui. Quanto tá esse doce?

- Cinquenta centavos, senhor.

- Toma esse dinheiro, vai brincar. Larga esses doces aí.

Na mão havia uma nota de cinquenta reais, dinheiro que nem em sonho pensava em ter. Dava para ir para a minha cidade, no primeiro momento meu desejo foi esse.

- Eu não posso aceitar.

- Deixa de coisa e vai logo! Te vi ontem lá. Aproveita esses momentos, moleque, quando eu era pequeno eu gostava de parque de diversões também.

Voltei para a casa dos meus avós, guardei a caixa de doces em um canto próximo ao muro e corri em direção à igreja. Cheguei lá encontrei meus primos espantados comigo na fila dos brinquedos. Aqueles foram os melhores momentos de minha vida. Foram os momentos de felicidade pura, essa alegria que devemos experimentar sempre. Fui em todos os brinquedos, comi algodão doce, maçã do amor, ganhei um urso na barraca das argolas.

No fim da noite eu estava tonto, minha cabeça explodia com uma dor que latejava, mas eu não ligava. Eu ainda estava em êxtase. No bolso ainda havia dinheiro suficiente para pagar os doces e para a segunda maior felicidade daquela noite.

Corri para o comércio do Seu Augusto e comprei três fichas telefônicas e disquei para o número que eu repetia todos os dias desde que saí da minha cidade, o número do telefone da vizinha dos meus país, nunca consegui ligar da casa da minha avó pois ela trancava o telefone. Ataquei o teclado do telefone. Depois de alguns instantes uma voz de sono e cansada atendeu.

- Alô, Dona Marta? Sou eu, César. A senhora poderia chamar minha mãe?

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