Bandido classista

19:01:00

Olegário estava na porta do banco esperando sua primeira vítima. O relógio em seu pulso mostrava que já passavam das cinco da tarde, sua camisa social amarela estava mergulhada no suor que fugia do seu corpo mostrando seu nervosismo com a situação, tentava afastar do pensamento todos os problemas que o fizera chegar a esse ponto. Havia planejado sua ação há dias e nada poderia dar errado naquele momento.
Finalmente o velhaco avistou a isca perfeita. Um senhor desceu sozinho de um luxuoso carro para utilizar os serviços do banco, como já havia terminado o expediente bancário, o idoso, em posse de um papel na mão, entra na agência e se dirige aos caixas eletrônicos, passando antes para pegar um envelope para depósito, o último que restou no recipiente.
"Que sorte a minha" pensou o velho.
"Que sorte a minha" pensou Olegário.
Dirigindo-se a um dos caixas e demonstrando pouca familiaridade com o equipamento, o idoso tenta, sem sucesso, depositar o dinheiro na conta que estava sinalizada no papel, depois da terceira tentativa desiste e resolve pedir socorro.
- O senhor pode me ajudar? – pergunta o velho para o rapaz que estava no caixa eletrônico ao lado, um sujeito bem vestido, calça social preta, sapato bem lustrado e uma camisa amarela.
O rapaz abre um sorriso felino.
- Sim, o que houve? – responde Olegário, seco, tentando passar um pouco de impaciência na voz.
- Não consigo depositar o dinheiro para meu filho.
- Deixa eu ajudar.
Olegário que carregava também um envelope de depósito em sua mão, fingiu cancelar as operações em seu caixa eletrônico e se dispôs, sempre com um ar impaciente, a ajudar o senhor.
Rapidamente, o rapaz consegue efetuar o depósito, deixando o senhor maravilhado com a rapidez em que os jovens dessa geração se dão bem com as novas tecnologias, sem perceber que, em um movimento digno de um gatuno experiente, Olegário trocou os envelopes, depositando o seu, cheio de papéis recortados.
- Muito obrigado. Meu filho me encheu o saco o dia todo por esse dinheiro para comprar um videogame, não tenho conta nesse banco e ele está viajando. Essas máquinas quando dão problema são um porre.
- Pois é! – devolveu Olegário com um sorriso.
Quando viu o idoso entrando no carro, dando a ré e saindo pela avenida, Olegário pensou que iria explodir. Sua vontade era de sorrir, de gritar e comemorar, estava sozinho na agência, mas não poderia fazer isso. Resolveu abrir o envelope. Dois mil e quinhentos reais. "Dois paus e quinhentos. Era muito dinheiro. Eram seis meses de aluguel. Tudo isso para um moleque comprar um videogame" pensou ele.
Esse foi o primeiro de muitos golpes que Olegário aplicou em sua escalada. Morava em uma kitnet imunda de apenas dois cômodos, com o tempo, comprou seu próprio apartamento. Sempre preferiu roubar de quem aparentava ter condições financeiras suficientes para não sentir falta de uns trocados a mais. Certa vez, enquanto falava com Raul, seu parceiro em alguns crimes, Olegário deixou escapar o motivo.
- Tive uma infância lascada, sabe? Não tiro de quem não tem nada – se explicou o bandido.
- Essa é boa. Primeira vez na minha vida que vejo um bandido com consciência de classe. Olega, presta atenção, uma hora a barra pode sujar pra ti.
- Pode ficar tranquilo, meus negócios são diversificados. É aquela coisa, quando um sapato ameaça descolar a chance do outro pé descolar de vez é maior. Precaução é tudo.
Com o passar do tempo, aquilo que Olegário chamava de empreendimento foi dando cada vez mais resultado e com uma vida social mais movimentada acabou se apaixonando por Fernanda. Começou a batalha para mascarar seus negócios, comprou um pequeno comércio o qual alegava tirar toda sua riqueza, matava dois coelhos com uma cajadada só, enganava a futura esposa e o fisco. Passou então a recolher imposto e a dividir os bens.
Olegário se sentia um vitorioso, de uma infância na merda, comendo o que achava no lixo, sempre renegado pelos olhos do governo, sempre batalhou, ao seu jeito, para vencer na vida, não aceitava o fato de outras pessoas se acomodarem e ficarem paradas esperando que as autoridades fizessem alguma coisa por elas.
Aquela raiva consumia-o.
Deixando os princípios de lado, Olegário estava prestes a aplicar seu novo golpe. Passou muito tempo planejando este empreendimento, em seu relógio, dessa vez um relógio importado, reluzente e pesado, marcava quinze horas, seu terno não escondia o suor que o fez lembrar do seu primeiro golpe. Afastou o pensamento. Era um novo homem agora, sem essa de pequenos golpes, tinha que pensar em si, teria que correr atrás dos peixes grandes. Com uma pasta de couro em sua mão esquerda e sentado em uma cadeira, esperava impacientemente em um corredor mal iluminado. Um homem abre a porta do escritório em sua frente e chama.
- Atenção todos os interessados em participar da licitação para compra de merenda escolar. Por favor, venham comigo. 
Olegário havia mudado de classe.

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